"> Engenho de Dentro celebra liberdade e Loucura Suburbana | Riotur.Rio

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Toda quinta-feira antes do Carnaval, Neide Oliveira, 68 anos, coloca sua cadeira de praia na calçada da Rua Gustavo Riedel, no Engenho de Dentro, por volta das 15h, e espera pacientemente. O motivo da vigília é “o bloco”, ou seja, o Bloco Carnavalesco Loucura Suburbana, formado por clientes do Instituto Municipal Nise da Silveira, unidade de assistência à saúde psiquiátrica da prefeitura que funciona no bairro da Zona Norte

“É uma alegria ver o bloco passar. Todo ano eu espero eles chegarem aqui e canto e danço com muitos deles. Esses dois anos de ausência foram de muita tristeza, mas agora o bairro está feliz de novo”, comemora.

Tendo como lema a expressão “Loucura não se prende”, o bloco mostra que pacientes e moradores do entorno podem e devem conviver sem grades ou muros que os separem. Com o fim do modelo hospitalocêntrico – em que os pacientes moravam no instituto – os laços entre clientes (como a psiquiatra Nise da Silveira chamava seus pacientes) e a comunidade tornaram-se ainda mais fortes.

E o Loucura Suburbana, cujo samba fala, em sua letra, sobre respeito e diversidade, é a síntese desse modelo de tratamento, que vai ao encontro de um movimento chamado Luta Antimanicomial.

O movimento antimanicomial luta pelos direitos das pessoas em sofrimento mental e advoga pelo fim da lógica manicomial nos cuidados em saúde. Além de moradores do entorno da unidade psiquiátrica,  pernas de pau e bonecos gigantes, o Loucura Suburbana atraiu amigos e familiares de clientes, com suas fantasias coloridas, muitas vezes confeccionadas nas oficinas ministradas no instituto. Os mais de mil componentes desfilam pelas ruas do bairro ao som da bateria A Insandecida!, com cerca de 40 ritmistas.

Destaque à frente do carro de som,  a porta-bandeira mirim Nicole Andrade, de 10 anos, Já é veterana no Loucura suburbana. Filha do intérprete do bloco, Binho Oliveira, ela desfila desde os 5 anos de idade, para orgulho do pai:

“Eu cheguei aqui em 2003 como voluntário e não saí mais. Hoje toda minha família faz parte do Loucura Suburbana.
Eu aprendo com os clientes todos os dias e é uma alegria imensa estar de volta depois desses dois anos sem desfile”, contou.

Em sua 21ª edição, o cortejo foi financiado com recursos do Fomento à Cultura Carioca (Foca), programa de patrocínio direto da Secretaria de Cultura da Prefeitura do Rio.

Criado em 2001,  o  Bloco Carnavalesco Loucura Suburbana já  rompeu simbolicamente os muros do hospício e revitalizou o carnaval de rua do Engenho de Dentro, reunindo clientes, familiares e funcionários da rede de saúde mental, além de moradores do bairro e adjacências, e criando um movimento de integração com a comunidade, tendo como motivação a maior festa popular brasileira. Desde então, abre o Carnaval no bairro, arrastando foliões e contribuindo para transformar o preconceito contra a loucura em admiração, respeito e desejo de integrar-se.

Em 2010, o Loucura Suburbana transformou-se no primeiro Ponto de Cultura em saúde mental da cidade do Rio de Janeiro: “Ponto de Cultura Loucura Suburbana: Engenho, Arte e Folia”,  passando a oferecer atividades permanentes abertas à população, gratuitas, que resgatam a memória do samba e do carnaval, a cidadania, incorporando a cultura aos dispositivos de saúde mental e a população ao criativo e inovador mundo da loucura.

Recebeu diversas premiações durante sua trajetória, como o Prêmio Serpentina de Ouro, concedido pelo “Jornal O Globo”, e a Medalha da Ordem do Mérito Cultural Carioca, pela Prefeitura do Rio, via Secretaria Municipal de Cultura.

A folia este ano tem patrocínio também da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa, através do edital Blocos nas Ruas.

Uma marca do bloco são os bonecos do Germano, estruturas gigantescas como os bonecões de Olinda. A diferença, compara o instrumentista Abel Luiz, são as articulações da versão carioca da alegoria. “O braço não é bobo, tem uma estrutura que se move, e tem um camisolão que se abre. Em alguns casacos, o operador pode desfilar de bicicleta.”

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